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18 de Abril de 2024

Sentença procedente em sede de Ação Revisional do FGTS

há 10 anos

Nobres Colegas!

Com satisfação que compartilho a sentença procedente, proferida dia 05 de maio de 2014, pelo Excelentíssimo Juiz Federal Titular da 5a Vara, DR. DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR, Salvador - TRF1.


EMENTA: FGTS. APLICAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. DECLARAÇÃO INCIDENTER TANTUM DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 13 DA LEI 8.036/90 E DOS ARTS. E 17 DA LEI 8.177/91, A PARTIR DE 01/06/1999. VIOLAÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL DE PROPRIEDADE. PREJUÍZO FINANCEIRO PATENTE PARA OS FUNDISTAS POR NÃO REFLETIR A TR A PERDA REAL DE PODER AQUISITIVO DA MOEDA. APLICAÇÃO DO INPC COMO INDEXADOR SUBSTITUTO. PEDIDO PROCEDENTE EM PARTE.

- SENTENÇA -

Relatório dispensado pelo art. 38 da Lei nº. 9.099/95.

Trata-se de ação visando à alteração do índice de correção monetária da (s) conta (s) vinculada (s) ao FGTS da (s) parte (s) autora (s), a fim de que a TR seja substituída pelo INPC, pelo IPCA ou por outro índice de preços escolhido pelo Poder Judiciário, a partir de janeiro/1999 até o levantamento dos saldos nas hipóteses legais, com incidência de correção e juros sobre os valores atrasados.

No mérito, deve-se lembrar que o FGTS foi criado pela Lei nº. 5.107/66, com objetivo de facultar ao trabalhador a opção de formar um patrimônio com contribuições mensais do empregador, em substituição às regras de estabilidade no emprego previstas nos capítulos V e VII do Titulo IV da CLT, trazendo as vantagens de não exigir um tempo mínimo de permanência no emprego e de permitir uma indenização proporcional ao tempo de serviço quase sempre superior a uma remuneração por ano trabalhado (parâmetro então utilizado), uma vez que a alíquota de 8% sobre as 12 remunerações mensais de um ano (mais o 13º) e a taxa de juros remuneratória de 3% ao ano superam – no decorrer de 12 meses – o valor de uma remuneração mensal.

Desde a primeira legislação, houve a preocupação de assegurar às contas vinculadas a correção monetária, o que se vê já no art. da Lei nº. 5.107/66, fato incomum na época – quando ainda não havia generalização da correção monetária, como ocorreu nas décadas seguintes.

Isso se deve ao fato de que o FGTS foi criado para ser um fundo de longo prazo, cujos saques eram limitados a poucas hipóteses, de modo que a recomposição das perdas inflacionárias tornava-se imperativa, pois os beneficiários poderiam demorar anos ou décadas até poderem sacar seus recursos e, se não houvesse recomposição das perdas inflacionárias, os valores depositados poderiam se tornar exíguos.

Nessa época, portanto, o FGTS tinha tríplice função: 1) pecúlio opcional do empregado formado por contribuições do empregador; 2) seguro-desemprego substitutivo da estabilidade prevista na CLT; e 3) indenização pela despedida arbitrária.

A partir da CF/88, houve uma alteração substancial no FGTS.

Com efeito, o art. e seus incisos I, II e III, da Carta Magna, estabeleceram como direitos independentes do trabalhador, respectivamente: a indenização por despedida arbitrária, o seguro-desemprego público (de natureza previdenciária) e o fundo de garantia do tempo de serviço obrigatório.

Dessa forma, a partir da Constituição Federal de 1988 – regulamentada pela Lei nº. 8.036/90, neste aspecto – o FGTS perdeu as funções de “seguro-desemprego” e de “indenização pela despedida sem justa causa”, assumidas, respectivamente, pelo atual “seguro-desemprego” (Lei nº. 7.988/90 e alterações) e pela multa do art. 10 do ADCT (com as alterações da legislação complementar), mantendo apenas sua função de pecúlio do trabalhador, formado por contribuições do empregador, porém não mais de natureza facultativa, mas, sim, obrigatória.

Logo, percebe-se que não há mais opção: todos os empregados são beneficiários e filiados obrigatórios do FGTS.

Além de ser um pecúlio obrigatório, cujas hipóteses de levantamento são bastante restritas (art. 20 da Lei nº. 8.036/90), o FGTS tem uma importante distinção em relação a outros pecúlios privados e poupanças/aplicações realizadas no mercado financeiro: o FGTS não tem portabilidade.

Ao contrário de outras opções postas à disposição de empregados e patrões para formar pecúlios ou poupanças, como os fundos de previdência privada ou as aplicações em caderneta de poupança, fundos de investimento, títulos públicos ou privados, o titular do FGTS não tem possibilidade de transferir seus recursos para aplicações mais rentáveis, mais bem geridas ou mais seguras. Ainda que sua remuneração seja muito insatisfatória ou que o titular da conta do FGTS discorde das políticas de gestão do fundo ou que se atemorize quanto a sua solidez, este não pode transferir ou sacar seus recursos e aplicá-los em outra modalidade disponível de poupança ou previdência.

Essas três características – obrigatoriedade, ausência de portabilidade e prazo longo/indeterminado – tornam ainda mais importante a questão da recomposição do valor depositado nas contas fundiárias para ilidir os efeitos corrosivos da inflação sobre a moeda, consoante previsão, inclusive, da Lei nº. 8.036/90, que, em seu art. 13, dispôs: “os depósitos efetuados nas contas vinculadas serãocorrigidos monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança e capitalização juros de (três) por cento ao ano”. (grifos nossos).

Neste contexto, faz-se necessário traçar um ligeiro histórico da recente forma de correção dos saldos das cadernetas de poupança.

Ab initio, ressalto que, desde a edição da Medida Provisória n.º 32, de 15/01/89, convertida na Lei nº. 7.730/89, a correção monetária da poupança obedecia às seguintes balizas:

"Art. 17. Os saldos das Cadernetas de Poupança serão atualizados:

I- No mês de fevereiro de 1989, com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro

Nacional - LFT verificado no mês de janeiro de 1989, deduzido o percentual fixo 0,5% (meio por cento);

II - nos meses de março e abril de 1989, com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro - LFT, deduzido o percentual fixo de 0,5% (meio por cento), ou da variação do IPC, verificados no

mês anterior, prevalecendo o maior;

III - a partir de maio de 1989, com base na variação do IPC verificada no mês anterior."

O IPC do mês anterior, adotado para fins de atualização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e da poupança, a partir de maio de 1989, persistiu até março de 1990, ocasião em que foi editada a Medida Provisória n.º 168/1990, convertida na Lei n.º 8.024/1990, recomendando, para esse fim, nos meses de abril e maio de 1990, a adoção do BTNF, que foi substituído, em seguida, por meio da Medida Provisória n.º 189/1990, convertida na Lei n.º 8.088, de 31/10/1990, pelo Bônus do Tesouro Nacional, cuja aplicação foi observada no interstício de junho de 1990 a janeiro de 1991.

Isto porque, com o advento da Medida Provisória n.º 204, de 31/01/1991, convertida na Lei n.º 8.177, de 01/03/1991, o BTN foi extinto (art. 3º, inciso II) e substituído pela Taxa Referencial – TR, cuja aplicação como índice de correção monetária dos depósitos de poupança perdura até os dias atuais.

Sobreleva notar que o valor do BTN foi fixado em Cr$ 126,8621 na data da publicação da medida provisória convertida na Lei nº. 8.177/91 (parágrafo único do art. da Lei nº. 8.177/91) e, a partir de 1º de março de 1991, este valor nominal passou a ser atualizado no primeiro dia de cada mês (art. 17), por índice calculado com base na TR referente ao mês anterior.

Observa-se, assim, que a Taxa Referencial – TR encontra previsão na Lei nº. 8.177/91 – uma das medidas do chamado “Plano Collor II” –, editada com o escopo de promover medidas de desindexação da economia e combate à inflação, mantidas e aperfeiçoadas no “Plano Real”, dentre as quais: a substituição da universal correção monetária das cadernetas de poupança por uma remuneração básica não mais atrelada à inflação passada, mas, inicialmente, à previsão feita pelo mercado financeiro de inflação futura (taxa referencial ou TR).

Como estabelecido no art. da Lei nº. 8.177/91, o cálculo da taxa referencial de cada dia seria feito a partir da média das remunerações mensais dos títulos públicos e privados negociados no mercado financeiro naquele dia.

A razão econômica por trás dessa metodologia é muito simples: as taxas mensais de remuneração dos títulos no mercado financeiro em determinada data, em condições normais, representam a previsão consensualmente feita pelo mercado financeiro da inflação para aquele período (inflação futura), acrescida de uma taxa real de juros também para o mesmo período. A taxa real de juros (isto é, a parte da remuneração da aplicação financeira que supera a inflação no mesmo período), normalmente, tem certa estabilidade durante grandes períodos e, basicamente, é controlada pelo BACEN e por sua política monetária.

Portanto, bastaria que a metodologia de cálculo da taxa referencial se adequasse às previsões de taxa real de juros média em cada período para que o valor da TR se aproximasse da previsão de inflação futura do mercado financeiro. Desse modo, teoricamente, a TR foi criada para remunerar as cadernetas de poupança com a expectativa de inflação futura no período de aplicação, no lugar da inflação passada.

Essa metodologia de cálculo da TR, contudo, passou a sofrer alterações ao longo do tempo, sobretudo quando, a partir de 1996 (Lei nº. 8.981/95), houve a modificação na forma de apurar o imposto de renda sobre as aplicações financeiras e a estabilização promovida pelo Plano Real, fazendo com que as taxas de juros reais começassem a ceder.

Esses dois fatores fizeram com que o cálculo da TR tivesse que se modificar, pois não havia mais a garantia de que o rendimento líquido das aplicações financeiras fosse sempre superar a previsão de inflação futura, mais uma taxa de juros de 0,5% ao mês. Desta sorte, a taxa de juros reais líquida poderia cair abaixo dos juros da poupança.

Ora, na hipótese de a taxa de juros reais líquida das aplicações financeiras ficar abaixo da taxa de juros da poupança, haveria uma migração em massa dos investidores dos títulos públicos e privados para a caderneta de poupança, provocando grandes transtornos no mercado financeiro e na dívida pública. Desse modo, fazia-se necessário adequar o cálculo da TR com o fito de que a remuneração total da poupança (TR + 0,5% ao mês) não superasse a remuneração líquida média dos títulos públicos e privados.

Assim, foi, inicialmente, editada a Resolução CMN 2.387/97, substituída pela Resolução CMN 2.604, de 23/04/1999, referindo-se a primeira TR desta nova metodologia a 01/06/1999 (art. 3º da Resolução 2.604/99).

Com tal metodologia, o cálculo da TR desvinculou-se de seus objetivos iniciais (indicar a previsão do mercado financeiro para a inflação no período futuro escolhido) para se ater tão somente à necessidade de impedir que a poupança concorra com outras aplicações financeiras.

O gráfico abaixo dá uma idéia do histórico da SELIC, do IPCA (IBGE) e da TR de janeiro/1999 a dezembro/2013 (linhas irregulares), com os respectivos polinômios de aproximação (linhas suaves)[1]:

Vê-se, pois, que há uma queda contínua dos índices mensais da SELIC e da TR, com a TR tendendo a zero e alcançando valor nulo em 2012, enquanto o IPCA tem inicialmente um movimento de queda até chegar próximo à média de 0,45% ao mês por volta de 2006, mantendo-se nesse nível médio desde então.

Olhando as curvas dos índices do IPCA e da TR, verifica-se que, até meados de 1999, as duas curvas estavam praticamente sobrepostas (índices mensais muito próximos) e que, a partir do segundo semestre de 1999, há um descolamento, com os índices da TR sendo quase sempre muito inferiores ao IPCA, chegando ao final do período com a TR igual ou muito próxima de 0%, sendo que tal descolamento se deu, basicamente, a partir da metodologia iniciada pela Resolução CMN nº. 2.604, de 23/04/1999, com efeitos a partir de 01/06/1999.

Em resumo, a remuneração básica das cadernetas de poupança, após o advento da Lei nº. 8.177/91, com a substituição dos índices anteriores pela TR, vem passando por um movimento de desindexação da economia, inicialmente substituindo-se a inflação passada pela previsão de inflação futura – objetivo do cálculo da TR nos seus primórdios – e, posteriormente, desvinculando-se totalmente também da inflação futura, pelas sucessivas metodologias de cálculo desse índice financeiro.

Neste sentido, constato que, desde sua introdução, a TR não podia ser utilizada como índice de correção monetária, visto que, mesmo como “previsão de inflação futura”, ela jamais pôde antecipar, de forma matematicamente precisa, essa inflação, não podendo ser utilizada como índice de atualização.

Destaco que o próprio STF, na década de 90, no julgamento da ADI 493-0/DF, preconizou, na fundamentação do acórdão, que a TR não prestava para ser considerada como índice de correção monetária, como se constata da ementa abaixo transcrita:

Ação direta de inconstitucionalidade. - Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que e um ato ou fato ocorrido no passado. - O disposto no artigo 5, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do S. T. F.. - Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido. A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no artigo 5, XXXVI, da Carta Magna. - Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, "caput" e parágrafos 1 e 4; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei n. 8.177, de 1 de maio de 1991. (ADI 493, Relator (a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/1992, DJ 04-09-1992 PP-14089 EMENT VOL-01674-02 PP-00260 RTJ VOL-00143-03 PP-00724) – nossos destaques

Por semelhante razão, em virtude da TR não implementar a recomposição monetária de forma devida, não promovendo a manutenção do valor real de direitos e obrigações, o Egrégio STF, nos recentes julgamentos das ADI 4357/DF, ADI 4372/DF, ADI 4400/DF e ADI 4425/DF, afastou a utilização da TR para correção das dívidas judiciais, nos moldes estabelecidos na EC nº. 62/09 e na Lei nº. 11.960/09.

Nesta senda, no julgamento da ADI 4425/DF (STF, Plenário, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. Para acórdão Min. Luiz Fux, data de publicação no DJE 19/12/2013 - ATA Nº 198/2013, DJE nº 251, divulgado em 18/12/2013), cujo deslinde apenas aguarda a definição de questão de ordem concernente à modulação dos efeitos do próprio julgado, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial do § 12 do art. 100[2], incluído pela Emenda Constitucional 62/09, no que diz respeito à expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, bem como a inconstitucionalidade por arrastamento do art. da Lei nº. 11.960/09[3].

O excerto abaixo, retirado do Informativo STF nº. 698, revela os fundamentos constitucionais considerados pela maioria da Corte Suprema para declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob comento:

“Declarou-se (...) a inconstitucionalidade parcial do § 12 do art. 100 da CF (“A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios”), no que diz respeito à expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, bem como do inciso IIdo § 1º e do § 16, ambos do art. 97 do ADCT. Realçou-se que essa atualização monetária dos débitos inscritos em precatório deveria corresponder ao índice de desvalorização da moeda, no fim de certo período, e que esta Corte já consagrara não estar refletida, no índice estabelecido na emenda questionada, a perda de poder aquisitivo da moeda. (...) ”. – grifos nossos.

Assim, a Corte reconheceu a inconstitucionalidade parcial do atual § 12 do art. 100 da Constituição da República (redação dada pela EC 62/09), asseverando, no voto de seu Relator, que “(...) a correção monetária é instrumento de preservação do valor real de um determinado bem, constitucionalmente protegido e redutível a pecúnia. Daí porque deixar de assegurar a continuidade desse valor real é, no fim das contas, desequilibrar a equação econômico-financeira entre devedor e credor de uma dada obrigação de pagamento, em desfavor do último.”. “A finalidade da correção monetária, enquanto instituto de Direito Constitucional, não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional. Daí me parecer correto ajuizar que a correção monetária constitui verdadeiro direito subjetivo do credor, seja ele público, ou, então, privado.” Faz o relator a seguinte indagação: “O que determinou, no entanto, a Emenda Constitucional nº 62/2009?”. Para responder: “Que a atualização monetária dos valores inscritos em precatório, após sua expedição e até o efetivo pagamento, se dará pelo “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”. “Índice que, segundo já assentou este Supremo Tribunal Federal na ADI 493, não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda”. “Valor real que só se mantém pela aplicação de índice que reflita a desvalorização dessa moeda em determinado período”. “E não é difícil constatar que a parte prejudicada, no caso, será, quase que invariavelmente, o credor da Fazenda Pública. Basta ver que, nos últimos quinze anos (1996 a 2010), enquanto a TR (taxa de remuneração da poupança) foi de 55,77%, a inflação foi de 97,85%, de acordo com o IPCA.” “Não há como, portanto, deixar de reconhecer a inconstitucionalidade da norma atacada, na medida em que a fixação da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção monetária dos valores inscritos em precatório implica indevida e intolerável constrição à eficácia da atividade jurisdicional”.

Deste modo, enxerga-se claramente que, embora para a caderneta de poupança, a TR calculada da forma atual não seja inválida nem ilegítima, em face das características de livre portabilidade, de curtíssimo prazoe de facultatividade, o mesmo não ocorre com os saldos depositados no FGTS, já que este possui caracteres básicos diametralmente opostos, como já explanado anteriormente.

O dinamismo do Direito e da vida social que ele regula impõem, em certos casos, a necessidade de verificar a existência ou não de validade e legitimidade atuais de normas que, na sua origem, eram perfeitamente válidas e legítimas.

Com efeito, situações concretas da vida social e normatizações paralelas que incidem sobre os mesmos fatos originalmente tratados pela norma primitiva podem fazer com que seus objetivos se desvirtuem, seus fins, inicialmente válidos e legítimos, passem a se opor à Constituição e seus princípios.

Essa mutação da realidade fática e social, que influencia progressiva e diretamente no teor de normas jurídicas, foi reconhecida pela teoria constitucionalista alemã e sufragada pelo Pretório Excelso em alguns julgados (HC 70.514/SP, RE 147.776, RE 135.328/SP), sendo a aludida construção doutrinária chamada de “inconstitucionalidade progressiva” ou de progressivo processo de inconstitucionalização de normas jurídicas originariamente válidas.

Creio que seja esta a situação dos autos.

O art. 13 da Lei nº. 8.036/90, em seu nascedouro, claramente objetivava dar continuidade ao princípio estabelecido desde a Lei nº. 5.107/66 de que o pecúlio representado pelo FGTS é uma obrigação de valor, imune aos efeitos corrosivos da inflação, sujeito a correção monetária de seus depósitos e ainda acrescido de juros remuneratórios “reais” (acima da inflação) de 3% ao ano.

Nestes moldes, o direito social fixado no art. , III, da CF/88, que previu o pecúlio obrigatório do fundo de garantia por tempo de serviço, visava não apenas substituir a antiga estabilidade dos trabalhadores sujeitos ao regime celetista, mas assegurar-lhes um pecúlio obrigatório, não portável, a ser usufruído após longo prazo de sua formação.

Destarte, esse pecúlio passa a ser um patrimônio jurídico e financeiro dos trabalhadores fundistas, devendo, portanto, ser tutelado pelo ordenamento jurídico de modo a não ser absorvido pela inflação, sob pena de se estar malferindo o direito fundamental de propriedade, insculpido no art. , inciso XXII, da CRFB/1988 e erigido à categoria de cláusula pétrea.

Assim sendo, é razoável e – mais do que isto – indicada a interpretação de que a norma constitucional que prevê o FGTS como direito social do trabalhador contém, implicitamente, a obrigatoriedade de que o valor desse fundo seja protegido da corrosão inflacionária, sendo um instrumento para densificar, de forma válida, a Constituição.

Contudo, a partir da edição da Lei nº. 8.177/91, que criou a TR no seu art. e no seu art. 17, as coisas já começaram a tomar uma forma distinta, ao vincular a TR à atualização dos valores constantes das contas fundiárias e permitir com que, gradativamente, fosse alterada sua forma de cálculo, de maneira a não mais assegurar a plena proteção do FGTS quanto aos efeitos corrosivos da inflação, fazendo com que ela fosse reduzida a ponto de se tornar praticamente nula para evitar que houvesse uma fuga de recursos das aplicações financeiras para a caderneta de poupança.

Isto é, progressivamente, o art. 13 da Lei nº. 8.036/90, c/c os arts. e 17 da Lei nº. 8.177/91, deixaram de garantir ao FGTS a recomposição das perdas inflacionárias, sujeitando o FGTS a perdas consideráveis em relação à inflação.

Somente para efeitos exemplificativos das imensas perdas sofridas pelo FGTS em relação à inflação medida por outros índices e do caráter progressivo de tal perda, traço uma comparação com o IPCA e o INPC, ao longo dos dois últimos governos, realçando que, quanto ao FGTS, está sendo incluída na remuneração a correção e os juros de 3%:

a) comparado ao INPC: a perda anual sofrida pelo FGTS foi de (-) 1,14% e a acumulada foi de (-) 11,89%, ao longo do Governo Lula (a partir de 01/01/2003 e atualizada até 01/01/2014); a perda anual sofrida pelo FGTS foi de (-) 2,23% e a acumulada foi de (-) 6,56%, ao longo do Governo Dilma (a partir de 01/01/2011 e atualizada até 01/01/2014);

b) comparado ao IPCA: a perda anual sofrida pelo FGTS foi de (-) 1,16% e a acumulada foi de (-) 12,03%, ao longo do Governo Lula (a partir de 01/01/2003 e atualizada até 01/01/2014); a perda anual sofrida pelo FGTS foi de (-) 2,36% e a acumulada foi de (-) 6,92%, ao longo do Governo Dilma (a partir de 01/01/2011 e atualizada até 01/01/2014).

Deveras, em termos econômicos, resta flagrante que a taxa de juros reais do FGTS – que a lei prevê em +3%ao ano – está NEGATIVA, ou seja, os beneficiários do fundo estão perdendo da inflação ano a ano e essa perda tem se acelerado.

Sendo assim, está claro que fatores alheios ao legislador da Lei do FGTS (Lei nº. 8.036/90) fizeram com que o art. 13, progressivamente, se tornasse inconstitucional, na parte em que vincula a correção monetária das contas fundiárias aos índices de atualização da poupança e estes, por sua vez, passam a ser calculados por metodologia prevista nos arts. e 17 da Lei nº. 8.177/91, que não mais garante a recomposição das perdas inflacionárias, sendo que tal método de cálculo, depois do advento da Resolução CMN 2.604/99, que produziu efeitos a partir de 01/06/1999, deu início, efetivamente, ao descolamento da TR dos índices de inflação, sendo esse o momento que se deve fixar para a recomposição das contas vinculadas ao FGTS.

Diante do exposto, em sendo reconhecida a violação à garantia de recomposição das perdas inflacionárias, implícita na disposição do art. , III, da CF/88, que estabelece o fundo de garantia em prol dos trabalhadores, com o consequente vilipêndio do direito à propriedade (art. , XXII, da Carta Magna), impõe-se declarar inconstitucional, pelo menos desde a superveniência dos efeitos da Resolução CMN 2.604, de 23/04/1999, a vinculação da correção monetária do FGTS à TR, conforme previsão do art. 13 da Lei nº. 8.036/90 c/c os arts. e 17 da Lei nº. 8.177/91. Neste contexto, reconhece-se, aqui, a existência de um direito fundamental à correção monetária em índice que efetivamente reflita a perda do poder real da moeda.

Tendo havido pedido expresso para utilização do INPC e sendo esse índice utilizado para a atualização dos benefícios previdenciários, possuindo também o FGTS um caráter protetivo, garantista, entendo razoável e mais consentâneo com as finalidades do Fundo que seja esse o índice de correção monetária dos saldos do FGTS.

Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade parcial superveniente do art. 13 da Lei nº. 8.036/90 e dos arts. e 17 da Lei nº. 8.177/91, desde 01/06/1999, pela não vinculação da correção monetária do FGTS a índice que venha recompor a perda de poder aquisitivo da moeda, e condenando a CEF a:

1) no caso dos depósitos do FGTS não levantados até a data da recomposição:

a) recalcular a correção do FGTS desde 01/06/1999, substituindo a atualização da TR pelo INPC, mesmo nos meses em que a TR for superior ao INPC ou que o INPC for negativo, mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da Lei nº. 8.036/90, depositando as diferenças corrigidas na (s) conta (s) vinculada (s) respectiva (s), no prazo de 20 (vinte) dias;

b) pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas apuradas no item a, desde a citação até a data da recomposição da (s) conta (s) vinculada (s), depositando os juros na (s) conta (s) vinculada (s) respectiva (s), no prazo de 20 (vinte) dias;

2) no caso dos depósitos do FGTS levantados entre 01/06/1999 até a data da recomposição:

a) recalcular a correção do FGTS desde 01/06/1999, substituindo a atualização da TR pelo INPC, mesmo nos meses em que a TR for superior ao INPC ou que o INPC for negativo, mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da Lei nº. 8.036/90, até a data do levantamento a partir da qual a diferença deverá ser corrigida unicamente pelo INPC até o depósito em juízo, no prazo de 20 (vinte) dias;

b) pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas do item a, desde a citação até a data do depósito em juízo, no prazo de 20 (vinte) dias.

Por fim, INDEFIRO EVENTUAL REQUERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, a fim de que a CEF passe a imediatamente corrigir os saldos da (s) conta (s) vinculada (s) da (s) parte (s) autora (s) pelo índice acima ordenado, tendo em vista a irreversibilidade da medida, nos termos do art. 273, § 2º, do CPC, e a ausência do periculum in mora.

Defiro os benefícios da assistência judiciária gratuita.

Sem custas nem honorários advocatícios (art. 55, caput, da Lei nº. 9.099/95).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Salvador, 05 de maio de 2014.

DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR

Juiz Federal Titular da 5ª Vara

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/sentenca-procedente-em-sede-de-acao-revisional-do-fgts/120462261

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33 Comentários

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Sou suspeito para comentar a brilhante sentença prolatada pelo Dr. Dirley da Cunha Júnior, entretanto, aproveito o ensejo para enviar-lhe os meus parabéns e um afetuoso e forte abraço do papai.

Dirley da Cunha Borges
OAB/BA 4570 continuar lendo

TRF1
Justiça Federal da Bahia
Processo nº: 0046164-95.2013.4.01.3300

Abraço a todos continuar lendo

valeu amigo.. forte abraço. continuar lendo

Muito Obrigado Doutor, pelo fornecimento dos autos do processo. De grande valia, uma vez de que servirá de sustentação, o seu inteiro teor. continuar lendo

Perfeita essa sentença! Uma aula de direito econômico e financeiro. Super referencial teórico. Parabéns ao Sr. Juiz Dr. DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR. continuar lendo

Por favor, informe o número da ação, para consulta das decisões subsequentes, se houve. Obrigada! continuar lendo

Já localizei o número do processo, nos comentários abaixo. Grata! continuar lendo